Fernando Gabeira revisita Visconde de Mauá

 FERNANDO GABEIRA - 25.nov.2002

Visconde de Mauá, a invenção do turismo
Depois de muitos anos, subi a serra para visitar Visconde de Mauá, que fica entre o Rio e São Paulo. Foi um centro de atração para alternativos, hippies e místicos. Talvez um pouco envelhecidos, eles continuam a viver ali. Mas como tudo mudou...
Para começar, metade da estrada que sai da Dutra e sobe a montanha, de 1.400 m, foi asfaltada. O asfalto até o meio do caminho reflete, de uma certa forma, a correlação de forças entre os que querem manter o lugar meio inacessível e os que querem mais conforto, independentemente da existência de uma infra-estrutura sanitária mais ampla.
Quem quiser conforto e tiver muito dinheiro pode chegar às pousadas de alto nível como a Quinta da Grama ou a Fronteiras, que surgiram nos últimos anos e são exemplos de requinte internacional. Basta entrar na internet, fazer sua reserva, anotar as coordenadas do campo de pouso e chegar de helicóptero para um festival de vinhos ou de trutas criadas nas águas frias da região.
Programas para os turistas mais exigentes não faltam, a começar pelo restaurante Rosmarino, onde comemos um dos jantares mais saborosos e delicados de nossas vidas, desde a sopinha de cenoura orgânica e a massa feita em casa ao peixe San Pierre e ao creme de papaia da sobremesa. O segredo do Rosmarino é a dedicação do dono, Julio Buschinelli, que viveu numa família italiana que adorava comida e estudou culinária numa escola americana que atraiu chefs europeus e se tornou referência mundial.
Mas o lado alternativo de Mauá revela-se numa experiência turística singular, no sítio Alcantilado. Ali, em 36 hectares, nove famílias decidiram abrir suas cachoeiras para os turistas e continuar seu trabalho normal, criando algumas cabeças de gado, plantando alguma coisa para comer.
Na entrada do sítio foi erguido um pequeno bar de madeira, que oferece salgados e refrigerantes, com destaque para um caldo de feijão, muito solicitado por quem desce a montanha faminto depois de banhos nas cachoeiras.
O preço da entrada é de R$ 2. Com esse dinheiro, os sitiantes de Alcantilado fazem a manutenção do lugar. Todas as trilhas são limpas e ao longo delas há cestas para lixo, cartazes indicando perigo e, nas subidas mais difíceis, cordas para que as pessoas se apóiem, pequenos degraus, enfim, uma infra-estrutura excelente, apesar de sua pobreza rústica.
O interessante dessa experiência de turismo ecológico é o fato de que o governo jamais tomou consciência dela, nenhum dos donos jamais pediu ajuda, e as coisas funcionam bem, com um potencial até de prosperidade.
Esse é o espírito de Mauá. As pessoas que vivem lá ou que deixaram as grandes cidades em busca de uma vida alternativa aprenderam a construir seus próprios sonhos, desde a pousada elegante ao homem que desce com sua mula trazendo ovos embrulhados em palha e outros modestos frutos de seu pequeno sítio.
Chega um momento, entretanto, que essa multiplicidade de pequenos sonhos realizados precisa de alguma ordem, de algum plano, de algum governo. O primeiro sintoma do esgotamento da experiência é a poluição do rio Preto. É a alma do lugar, porque percorre tudo e, em caso de degradação, inviabilizaria um crescimento sustentável. É difícil encontrar a forma de salvação. O rio corre por três municípios: Itamonte e Bocaina, em Minas, e Resende, no Rio. Nem sempre os prefeitos se interessam por essas regiões montanhosas, aonde gente um pouco estranha chegou para construir uma nova vida.
Mesmo sem a estrada asfaltada, no entanto, o processo turístico floresce, mas está muito aquém de uma exploração inteligente. Há muitos pássaros e gente se educando para mostrá-los. Muito em breve, os observadores de pássaros, que são um importante nicho desse mercado, terão a chance de viver alguns dias na montanha, conhecer cachoeiras, pescar trutas e fotografar algumas das mais lindas espécies brasileiras.
O interessante é que a região poderia ser incluída num pacote turístico ligado tanto ao Rio como a São Paulo. Mas precisa ainda ser descoberta pela Embratur, por exemplo. Precisa de uma pequena injeção para construir seu saneamento básico, de alguma publicidade no exterior, enfim, de coisas mínimas que possam dar um empurrão no esforço local.
Há quase 20 anos, vivi um mês na região. Na época ocupávamos um quartinho perto do estábulo de uma fazenda. Fazíamos longas caminhadas pelas montanhas e comíamos ovo cozido. No centro de Maringá, por exemplo, onde bares, restaurantes , carros e pessoas bonitas se multiplicaram, a virada já aconteceu.
Ainda assim, a região ainda pode ser um pólo de atração de vários níveis de loucura e, sobretudo, de vários poderes aquisitivos. Casinhas brancas com a inscrição já desbotada oferecendo tarô, sítios onde se começou a tomar o Santo Daime no sul do país, todos esses vestígios do passado ainda estão por lá. Mauá inventou seu turismo. Só os poderes ainda não a descobriram.
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Veja nossa página - Visconde de Mauá
Pra conhecer a Cachoeira do Alcantilado, entre em 03 Cachu abaixo.
O Sítio Cachoeiras do Alcantilado atualiza anualmente seu valor, em 2023 até 30 de novembro é de 35 reais por pessoa...
O Gabeira erra ao falar em Itamonte acima, é Itatiaia (RJ).
Nossa sugestão de Restaurantes está na listagem abaixo...


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